ARACAJU/SE, 3 de julho de 2025 , 12:58:40

Misoginia, machismo e violência política de gênero: o lugar da mulher é onde ela quiser

A ministra Marina Silva tem um longo histórico de luta e defesa das causas ambientais. Ela iniciou sua militância ao lado de Chico Mendes e rapidamente se tornou um símbolo de resistência não somente no Acre, seu estado de origem, como em toda região amazônica e no Brasil. Foi vereadora, deputada, senadora e candidata a presidente da república. Está na segunda passagem pelo ministério do meio ambiente, sempre enfrentando grandes temas como o desmatamento, mudança climática, extrativismo, e atualmente a exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas, dentre outras questões espinhosas.

Nessa condição foi convidada a comparecer a uma sessão da comissão de infraestrutura do senado. Ao invés de vir a ser indagada sobre esses relevantíssimos assuntos, a ministra passou a ser covardemente atacada. O senador Plínio Valério (PSDB-AM) depois de ter dito dias antes que “tinha vontade de enforcar a ministra”, na referida audiência afirmou de forma vil “que não a respeitava”. Um outro senador – Omar Aziz PSD-AM – aos gritos interrompia toda e qualquer resposta dada pela ministra, impedindo-a de concluir seu raciocínio e o presidente da comissão (Marcos Rogério – PL-RO) ao invés de exigir de seus pares que tratassem a convidada com o mínimo de dignidade, tomou a palavra para exigir que Marina Silva “ponha-se em seu lugar”.

Esse comportamento do senado federal revela uma postura misógina e absolutamente machista reinante nas esferas de poder do país, desdenhando as mulheres e diminuindo seus papeis, evitando qualquer tipo de tratamento isonômico, em uma demonstração clara do atávico atraso civilizatório que estamos mergulhados.

A misoginia aparece como o primeiro dos preconceitos, o mais antigo, entranhado na mente ancestral da humanidade desde a pré-história com a concepção da figura do homem caçador e provedor e da mulher mantida e provida. Essa ideia fez com que se normalizasse o afastamento da mulher das grandes decisões políticas, devendo-se limitar a cuidar da prole.

Nem mesmo na Grécia antiga, berço das inovadoras ideias filosóficas e da própria democracia, as mulheres eram respeitadas. Em Atenas eram vistas como inferiores, criadas separadas dos homens, somente podendo sair de casa com permissão do pai ou do marido. Não eram consideradas cidadãs. Não tinham direito de participar da ágora e discutir os assuntos da pólis. Somente os homens livres e de posses compareciam aos espaços públicos para debaterem as questões de estado.

Na Idade Média durante séculos vigorava verdadeira neurose persecutória da mulher, associando-a a bruxaria, apostasia, feitiçaria, ao pecado e à morte. Eram as mulheres as vítimas preferidas da inquisição, condenadas às fogueiras para serem expiadas e purificadas. A construção da misoginia tem um longo e triste percurso histórico.

O nosso Código Civil de 1916 estabelecia que a mulher necessitava de autorização do marido para trabalhar fora de casa ou para viajar. Criou-se a figura da rainha do lar. Somente com o Código Eleitoral de 1932 as mulheres brasileiras conquistaram o direito ao voto. Carlota Pereira de Queirós foi a primeira deputada federal eleita no ano de 1934. Somente em 2010 o país teria sua primeira presidente da república e atualmente apenas 18% do congresso nacional é composto de mulheres, apesar de serem maioria da população brasileira (51,5% da população feminina segundo dados do censo de 2022).

Somos um país machista e que busca excluir a mulher da política, inclusive praticando violência política de gênero. O tratamento destinado a ministra do meio ambiente no senado é um exemplo claro do longo caminho a ser percorrido no escopo de exigir que a mulher seja tratada de forma paritária, sem preconceitos e com o devido e necessário respeito.

Pode-se definir a violência política de gênero como qualquer ação ou omissão praticada com a finalidade de impedir, obstacularizar ou restringir os direitos políticos da mulher. Qualquer distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo ou exercício das liberdades públicas em virtude do gênero configura referida postura, absolutamente reprovável. A violência política pode ser física, moral, sexual, simbólica, psicológica e econômica ou material, tudo buscando afastar a mulher da política.

Nesse contexto foi aprovada a Lei nº. 14.192/2021, inserindo o art. 326-B no Código Eleitoral, afirmando que constitui crime de violência política de gênero assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou a à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo.

Podem ser vítimas desse crime as candidatas a cargo eletivo ou as mulheres que foram eleitas e estão no exercício dos mandatos como parlamentares ou no executivo. Atualmente existem apenas três condenações pelo crime do art. 326-B do Código Eleitoral, sendo a primeira de um deputado estadual do RJ que chamou uma vereadora transexual de Niterói/RJ de “aberração da natureza” e “belzebu” ofendendo-a no plenário da assembleia legislativa, sendo afastada a tese da imunidade parlamentar. O segundo caso envolve um vereador da cidade de Russas/CE que teria chamado uma colega vereadora de “quenga de senador” e o terceiro caso envolve dois parlamentares da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Em sessão extraordinária realizada em 2022 o deputado que presidia a sessão constrangeu e humilhou uma colega deputada ao dizer que “sempre colocaria um cabresto em sua boca” e que faria isso “em todas as vezes que fosse presidente”.

É esse o histórico de ofensas as mulheres que precisa ser estudado, denunciado e combatido. Deve-se repelir com todas as forças qualquer agressão em razão do gênero. Não é possível que nos dias atuais queira se normalizar a violência, exclusão e ataques às mulheres.

Defender a participação feminina na política e em todos os espaços de poder exige muito mais que uma campanha publicitária, mandar flores no dia internacional da mulher ou um mero discurso. É preciso uma prática diária de combate ao machismo e de total intolerância com a violência política de gênero. Nesse sentido o exemplo da ministra Maria Silva levantando-se e deixando a sessão da comissão do senado após ser ofendida é simbólico. Significa que acabou a passividade e a mulher não deve ser submissa. Não se admite que a ofensa fique sem resposta. É preciso reagir. Urgentemente.

Por fim, deve-se lembrar aqueles senadores misóginos e todos os que pensam como eles, que toda mulher tem o direito de viver sem medo e sem opressão e o lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive e principalmente na política, quem sabe assim não moralizamos as casas parlamentares e os espaços de poder tão mal representados ultimamente.